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Eduardo Afonso

27 de nov. de 2020

“Negro Mesmo”, o grande disco de Nei Lopes

Nei Lopes é conhecido principalmente por suas maravilhosas composições gravadas por sambistas famosos como Elizeth Cardoso, Clara Nunes, João Nogueira, Martinho da Vila, Zeca Pagodinho e muitos (e bota muitos nisso) outros. Um dos mais intelectuais compositores do samba, porém, não poderia ficar só nisso. Ele já havia aparecido cantando em uma coletânea de 1975, “Tem Gente Bamba na Roda de Samba”, que contava também com seu eterno parceiro de composição Wilson Moreira.

E seria com Wilson que Nei lançaria seu primeiro álbum, “A Arte Negra de Wilson Moreira e Nei Lopes”, lançado em 1981, deixando de vez de ser apenas compositor e se tornando, para o público comum, um sambista consagrado. Dois anos depois, Nei lança pela gravadora Lira/Continental o álbum “Negro Mesmo”, a obra mais aclamada de sua discografia. Em “Negro Mesmo”, Nei se aprofunda de vez na cultura africana ao redor do mundo, principalmente nas diásporas (da Wikipedia: o termo diáspora define o deslocamento, normalmente forçado ou incentivado, de grandes massas populacionais originárias de uma zona determinada para várias áreas de acolhimento distintas). O álbum começa com uma homenagem a Zumbi dos Palmares (1655-1695), grande ícone da resistência negra no Brasil, na música “A Epopeia de Zumbi”, que pelo ritmo poderia muito bem ser um samba-enredo. Zumbi foi o último e um dos mais importantes líderes do Quilombo dos Palmares, o maior quilombo do período colonial. Os quilombos eram comunidades criadas por escravos negros que haviam escapado de seus proprietários, e o Quilombo dos Palmares chegou a abrigar mais de 30 mil pessoas. Zumbi chegou até a ganhar uma data em sua homenagem, que instiga a conscientização do negro no geral, o Dia da Consciência Negra. A data é comemorada todos os anos no dia de seu falecimento desde 2003 no calendário escolar e desde 2011 como feriado nacional. Nei falava da importância da data muito antes disso. Num dos versos, diz: “Foi a 20 de novembro, data para lembrar e refletir”. Depois da forte introdução, começam as violas caipiras a chorar em Lundu Chorado. Composta por Nei, a música tem como temática o lundu, considerado um dos gêneros que deram início à música popular brasileira. O lundu influenciaria o maxixe, que seria uma das bases do samba. O nome da música é tirado de um dos poemas de Domingos Caldas Barbosa (1740-1800), autor de lundus, pai das Modinhas, sacerdote e poeta brasileiro, filho de um português com uma escrava angolana. Lereno (seu pseudônimo) era um símbolo da miscigenada cultura do Brasil. A letra é uma bela poesia sobre um escravo que está se sentindo atraído por sua sinhá. Muito se fala sobre as relações entre os proprietários homens e as escravas, mas o contrário acontecia quase que na mesma proporção. O refrão canta: “Meu caro senhor/olha a sua sinhá/tá me olhando com dengo/pra me enfeitiçar”. Pixinguinha e a Velha Guarda do Samba já haviam usado temática semelhante em “Patrão, Prenda Seu Gado”: “Eu vim preso da Bahia/só porque fui namorado/de uma dona de eu, laiá”.
A música seguinte homenageia de forma indireta uma das figuras mais importantes do samba brasileiro: a mineira Tia Eulália, que nasce em Minas Gerias, mas é criada na Serrinha, Rio de Janeiro. De forma indireta pois a inspiração para “Tia Eulália na Xiba” não fora exatamente a Tia Eulália do Império Serrano, dona da carteirinha de número 1 de uma das mais importantes escolas de samba do Brasil e exímia dançarina de Jongo. Pelo menos é o que diz Nei Lopes em entrevista para Tárik de Souza no livro “MPB: Histórias e Memórias da Canção Brasileira, Volume 2”. Nei afirma que a música não fora inspirada em Tia Eulália do Império Serrano, mas que acaba tornando-se uma homenagem mesmo assim pelas coincidências que apresenta. Fala também um pouco sobre a influência da xiba, ritmo africano com instrumentos de cordas dedilháveis, cantos e palmas. (...)

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